sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

hoje li no outdoor de uma empresa
de cerâmicas azulejos e privadas
que o ponto de partida é acreditar

então eu tô
fudido


coração cheio de dúvidas mais pesado
que um lutador de sumô nas férias

estou desempregado numa cidade nova e nenhum
poema abriu uma porta de emprego nem
bateu um prego numa barra de sabão

nenhuma mágoa, a vida é coice no queixo
e eu deixo algumas moedas de sorte
no concurso que farei para coveiro

ou isto ou fazer renda num táxi alugado pela madrugada
ou o sol quente debaixo do qual irei rasgar poemas
e perambular de bicicleta vendendo água

orinoco, nictógrafo

olhando aqui no quarto um documentário
a respeito da vida de jim tully

o jogo de pernas e os diretos junto
com os vagabundos dos vagões
dos pátios ferroviários e dos portos

aos 14 viu sua irmã sendo salva de um afogamento
aos 19 roubava carros e circulava por aí
até acabar a gasolina, escrevia poemas
e contos e os espalhava entre os refrigerantes
e os chocolates dos supermercados enquanto
seus bolsos conheciam queijos e vinhos

acontece que o mais importante
e o que mais me transtorna
é quando falam que ele não sabia de sua força
nem que tinha um coração bondoso

hernán gutierrez (1942-1972)
poeta uruguaio radicado no janga do fim de 1967
até seu desaparecimento no mar, em 1972.
dogen disse: desejo tem mais cabeças
que tiamat em caverna dos dragões

volúpia, vontade
são siamesas

não param de rodar
numa roda punk

todo desejo é inadiável, falou
entre uma chicotada e outra
minha vizinha dominadora
praticante de bondage
"dentro do contexto
sadio, seguro e consensual",
ela acrescentou


incendiar farmácias, cuspir nos próprios pés
a força maluca do inadiável como uma coceira no cu
antes tudo ar
ou mar

antes tudo lar
e deriva

força viva
não se amarra
nem fica
cativa
gosto de dizer poesia
prefiro mijar
temos problemas parecidos, suponho. comemos venenos banidos no resto do mundo. tomamos a justiça aos tapas. & dentro disso está tudo bem, também podemos encontrar raras vezes um espírito que é também pedra que é também rio poluído atravessando a bunda da cidade, um pequeno leopardo de plástico colorido por jovens chineses à procura de grana pra comprar uma casa e passar a vender bolsas & realizar festivais noturnos de dança. temos problemas parecidos, paralíticos. uma dor de cabeça diária, a pressa das pernas de qualquer avenida, a tristeza dos pombos debaixo do sol, nossos ratos dormindo bem debaixo de nossos narizes. esse ska abrindo brechas no crânio cinzento habituado a ferro & fogo, as mães desoladas acossadas por batalhões de olhares estúpidos, o útero da solidão, a lenta migração dos fungos sobre as laranjas esquecidas desde o carnaval debaixo da geladeira, as danças atropeladas por camburões da polícia militar. temos os mesmos problemas. a alegria cronometrada das férias, a horda de canalhas sugando nosso sangue, os gerentes dos supermercados viciados em questionários sobre administração de empresas, os garotos esquisitos que são vistos se arrastando feito carneiros capturados por antigos fazendeiros alienígenas à procura de uma gelada garrafinha de axé. também sabemos que a doença e os coágulos no interior das veias profundas da perna são um problema mítico. problemas parecidos e as mesmas piadas e cantos para criar uma história permanente para alegrias rebeldes. os mesmos sustos & sonhos de quando a escuridão tinha mais braços que o mar e dormíamos em cima das árvores.
a enorme fila de automóveis
que nos acompanha ao cemitério
não alcança teu disco voador, bowie

nenhum cadillac verde coçará teus calcanhares
iggy pop & eu te agradecemos pelas mudas de cannabis
que trouxeste da estrela em que vivem aqueles que poderiam 

ser facilmente confundidos com dragões & paixão pela vida

 aquela noite encontrei os cabelos azulados da noite
aquela noite encontrei os cometas centenários do ventre
aquela noite encontrei os óculos dos passageiros cegos

esplendor y decadencia se alían en una luz encendida
que cubre todos los personajes

tua audição supera, inclusive, tua natureza telepática
teus parentes interestelares mais próximos
escreveram as canções mais delicadas
& muitas profecias antigas & textos espirituais

a geometria sagrada, a poesia cuja pele tem um tom
esverdeado, a vasta cabeleira das cavernas, peixes
de snorkel atravessando a rua, o abraço demorado
em sacos de esterco, a honestidade de andar por aí

a beleza acidental e falha de nossos polegares
a transgressão silenciosa das pernas

estamos doentes, sujos & alegres, ziggy
mas já começamos a ver & ouvir os órgãos
sexuais da nossa imbecilidade absolutamente nua

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

dias e noites molhando a cachola na sarjeta,
pisando em pregos, roubando a comida dos cegos
ao meio dia, encontrando mais carros que amigos
você sabe que a espécie humana continua o massacre

uma dúzia de guindastes estacionados
sobre teus pés, nove milhões de chimpanzés
viciados em barbitúricos, as mandíbulas esmagadas
das florestas, vertebrados engolidos pela sanha sapiens

toda merda e urina das cidades armazenada na pupila
do lixo eletrônico, toneladas de carvão arrancadas
das tripas de minha bisavó, trilhões de cigarros
fumados no sofá do caos & conforto:

ossos, acumulação & desperdício.

e os policiais ainda acham um barato
apertar o gatilho.
podemos chamar de amor a tudo
aquilo (que desaparece
mais rápido do)
que surge
o gari falando comigo sobre poesia
a dançarina de brega falando comigo sobre poesia
lionel messi falando comigo sobre poesia
o vendedor de pipocas falando comigo sobre poesia
o turco perseguido pela yakuza falando comigo sobre poesia
a vencedora do miss bumbum falando comigo sobre poesia
a garota do combate à dengue falando comigo sobre poesia
rui chapéu falando comigo sobre poesia
o astronauta aposentado falando comigo sobre poesia
o palhaço degolado falando comigo sobre poesia
a ventríloqua falando comigo sobre poesia
a mímica falando comigo sobre poesia


pelé calado
ao meu lado