quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

David Meza trouxe cerveja

Também nunca vi as pirâmides do Egito. Minha vida sacoleja como um velho cometa pelo céu da boca. Meu pai trabalhava como taxista dia e noite, ganhava pouco. Os pais de meus amigos ganhavam ainda menos. Eu não escrevi um poema fuderoso entre as ruas de Berlim. Os devaneios são as últimas moedas que nos deixaram ou, melhor dizendo, não conseguiram roubar de nossas vísceras. Não me inspirou o canto nenhuma praia perdida e misteriosa. Eu não vi o mundo desde o alto das montanhas do Himalaia, mas vi o mundo desde o poema. Escrevo em companhia dos que atravessaram o rio do sonho para encontrarem-se com a morte, dos que disseram "o pão nosso de cada dia nos dai hoje" e não foram escutados, dos que perambulam pelo mundo com os pés ensanguentados e um par de sapatos nas mãos. Escrevo em companhia deles, que não dormiram nos jardins do Taj Mahal. Escrevo em companhia deles, para os quais o Coliseu segue sendo uma mostra de aflição e crueldade. E agora lhes digo: suas orelhas são mais fascinantes que qualquer templo grego, há mais encanto em um só de seus soluços que em todas as ruas de Paris. Em companhia deles, conservei um pouco da minha vida, e da minha morte, neste poema. Em companhia deles, também digo: também nunca vi as pirâmides do Egito, mas junto de mim os pássaros criaram uma habitação maravilhosa.

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