segunda-feira, 23 de março de 2015
afinal de contas, ser feliz pra quê? ela perguntou como quem atira um
vaso chinês da dinastia ming contra a parede. eu olhava cada caquinho de
porcelana, com suas pequenas flores azuis desfiguradas. a vida é o que
é, um pouco de vento alivia a tristeza das samambaias, um pouco de água
sempre é suficiente para fazer o filhote de leopardo que guardo no peito
abrir um sorriso. as pequenas flores azuis, os caquinhos, começaram a
se juntar quando uma ambulância passou na avenida rasgando
o horizonte para socorrer corações atropelados. esqueci de dizer,
estávamos pelados. as palavras caem no chão feito frutas. às vezes é
possível encontrar uma manga madura no chão, sem grandes hematomas. mas
na maior parte do tempo chegamos atrasados e as palavras apodrecem.
frases ditas perto da caixa toráxica pesam mais que a respiração dos
rinocerontes. em tudo que disse, ela permaneceu de olhos fechados.
lindos olhos verdes dormindo debaixo das pálpebras do sonambulismo. como
um geógrafo cego, tateei o dorso dela, as pernas, os poemas das
omoplatas, as canções das orelhas e a tranquilidade dos dedos mindinhos
dos pés. a imagem da felicidade é um guarda-chuva que esquecemos no
ônibus que nos levou para longe de nós mesmos. ela abriu os olhos. eu já
não precisava descobrir a tradução do termo sânscrito santosha.
cometeremos erros melhores amanhã, eu disse.
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